Eu não queria desistir de nós, mas...

Deveria ter encarado a vontade de te ter, deixado a minha saudade acolher-te para mais perto. Eu deveria ter-me levantado do sofá, deveria ter passado no supermercado para comprar um vinho, bater à tua porta mesmo sendo tão tarde e fazer-te aturares-me mais uma noite. Eu deveria ter esquecido de terminar aquele livro, ter percebido as horas que perdi sem te ver e, finalmente, chamar-te para ir ao cinema mesmo que nós mudássemos de ideias no caminho. Eu deveria ter-te envolvido nos meus braços mesmo quando tu me pediste para te largar, deveria ter-te ouvido mesmo quando o assunto fosse o mesmo da semana passada. E sorrir das tuas birras, e mesmo que tu me chamasses de tolo ao me veres a sorrir para ti enquanto tu tentavas arranjar motivos para discutir, eu deveria ter-te beijado, beijado muito, beijado bastante para tu deixares de ser tão orgulhosa e entenderes, de uma vez por todas, que eu queria fazer-te feliz, era só tu deixares.
Deveria esquecer aquela discussão, porque ouvir-te a cantar no banho em tom de ironia enquanto – na sala – eu te respondia com outra música, era amor. Porque arriscar-me na cozinha por ti, esquecer o sal e mesmo assim ver-te a comer o que fiz, era amor. Eu deveria mesmo ter desligado o telemóvel e corrido para os teus braços quando tu me propuseste que eu saísse da tua vida e eu, feito burro, concordei em sair. Eu deveria ter assinado um tal contrato para a gente não se desfazer, para que quando a gente não mais se entendesse encontrasse um jeito para se entender. Eu deveria ter-me calado em vez de te chamar de insuportável. Deveria ter-te convidado para voltares para o meu peito – que sempre foi o teu lugar – quando tu disseste que estavas a desistir de nós em vez de te aconselhar a desistir e esquecer de mim. Deveria ter tentado resolver as coisas, ter tentado encontrar uma solução em vez de aceitar a nossa solidão.
Eu não queria desistir de nós, mas de repente, tu deste um passo à frente. Talvez a culpa tenha sido minha, mandei-te tanto para o lado de fora que tu não quiseste mais entrar, mandei-te tanto para o inferno que acho que lá tu encontraste um lugar. Talvez a culpa também tenha sido tua, tu expulsaste-me tantas vezes que eu preferi não voltar, tu esqueceste-me tantos dias que eu achei que fosse melhor para mim dispensar o teu lugar. Eu não queria desistir de nós, mas daí tu resolveste deixar-nos para trás. Então, perdi o chão, tive mais medo de que tu saísses de mim, mas preferi não arriscar a coragem para te procurar de novo. O meu estômago embrulhou, suei, tentei acertar-me, mas falhei. Resolvi deixar o orgulho de lado, procurei-te. Tu não parecias mais a mesma, culpei-me pelo que fiz e pelo que não fiz. E então esforcei-me para te ter de volta, tu estavas com medo de me aceitar outra vez e eu com medo de acabar por te decepcionar de novo. Tu preferiste ficar só e só eu não me encontrava mais. O meu esforço não era o suficiente para juntar os pedaços e retomar o caminho ao teu lado. E daí, perdi o chão mais uma vez. Procurei um só motivo entre tantos que houveram para explicar tudo. Pensei muito, o tempo passou, o distanciamento aumentou entre nós. Resolvi ficar aqui no meu canto à espera que o tempo resolvesse tudo, à espera que algo mudasse, mas nada mudou. Mais um dia se foi e mais eu nos fui estranhando.
Tu mostraste que estavas bem sem mim, tentei divertir-me mais, tu tentaste sair mais, tentei rir mais. Nós tentávamos preencher o vazio que causámos um ao outro e a saudade, nem sei onde perdi. A minha barba começou a crescer, tu ficaste mais linda a cada dia. Mudei os meus hábitos. Tu distraíste-te por aí, esqueceste-me de vez. Cada um foi para o seu lado, conhecemos novas pessoas mas ninguém agradou tanto. Até que um dia, descubro que a pessoa da qual eu não queria desistir, à qual eu queria atirar os meus braços nos seus ombros, acariciar a sua orelha no escuro do quarto e acordar de manhã cedo a chamar de meu amor, encontrou o amor da vida dela.
Texto de Iandê Albuquerque